Quando me descobri negra

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Tenho 30 anos, mas sou negra há apenas dez. Antes, era morena

O lindo texto a seguir é um trecho do recém-lançado livro “Quando me descobri negra”,  que a escritora Bianca Santana quis compartilhar com todas AzMinas. 
As ilustrações do livro são de Mateu Velasco

As ilustrações do livro são de Mateu Velasco

Tenho 30 anos, mas sou negra há apenas dez. Antes, era morena. Minha cor era praticamente travessura do sol. Era morena para as professoras do colégio católico, para os coleguinhas – que talvez não tomassem tanto sol – e para toda a família que nunca gostou do assunto. “Mas a vó não é descendente de escravos?”, eu insistia em perguntar. “E de índio e português também”, era o máximo que respondiam. Eu até achava bonito ser tão brasileira. Talvez por isso aceitasse o fim da conversa.

Em agosto de 2004, quando fui fazer uma reportagem na Câmara Municipal, passei pela rua Riachuelo, onde vi a placa “Educafro”. Já tinha ouvido falar sobre o cursinho comunitário, mas não conhecia muito bem a proposta. Entrei. O coordenador pedagógico 14 15 me explicou a metodologia de ensino com a cumplicidade de quem olha um parente próximo. Quando me ofereci para dar aulas, seus olhos brilharam. Ouvi que, como a maioria dos professores eram brancos, eu seria uma boa referência para os estudantes negros. Eles veriam em mim, estudante da Universidade de São Paulo e da Faculdade Cásper Líbero, que há espaço para o negro em boas faculdades.
Saí sem entender muito bem o que tinha ouvido. Fui até a Câmara dos Vereadores, fiz a entrevista e segui minha rotina. Comecei a reparar que nos lugares que frequento as pessoas também não tomam tanto sol. O professor do Educafro toma. Será por isso que ele me tratou com tanta cumplicidade?

Pensei muito e por muito tempo. Não identifiquei nada de africano nos costumes da minha família. Concluí que a ascensão social tinha clareado nossa identidade. Óbvio que somos negros. Se nossa pele não é tão escura, nossos traços e cabelos revelam nossa etnia. Minha mãe, economista, funcionária de uma grande empresa, foi branqueada como os mulatos que no século XIX passavam pó de arroz no rosto porque os clubes não aceitavam negros.

Eu fui branqueada em casa, na escola, no cursinho e na universidade. É como disse Francisco Weffort: o branqueamento apaga as glórias dos negros, a memória dos líderes que poderiam sugerir caminhos diferentes daquele da humilhação cotidiana, especialmente para os pobres. Ainda em busca de identidade, afirmo com alegria que sou negra há dez anos. E agradeço ao professor do Educafro que pela primeira vez, em 21 anos, fez o convite para a reflexão profunda sobre minhas origens.

QUANDO ME DESCOBRI NEGRA – Bianca Santana

Coleção: Quem lê Sabe Por quê
Faixa etária: (a partir dos 12 ou 13 anos)
Páginas: 96
Preço sugerido: R$ 32,00
Capa: brochura
Formato: 14,5cm X 17,0cm

Conheça a autora!

Bianca (1)
A Bianca é jornalista e professora da Faculdade Cásper Libero. Mestra em educação pela Universidade de São Paulo. Militante feminista e de movimentos de educação. Blogueira do Brasil Post/ Huffington Post. Autora de artigos acadêmicos e materiais didáticos, estreia na literatura com a coletânea “Quando me descobri negra” (Sesi- SP).

Fonte: AzMina

Conteúdos do blog

As publicações deste blog trazem conteúdos institucionais do Projeto Força Feminina – Unidade da Rede Oblata Brasil, bem como reflexões autorais e também compartilhadas de terceiros sobre o tema prostituição, vulnerabilidade social, direitos humanos, saúde da mulher, gênero e raça, dentre outros assuntos relacionados. E, ainda que o Instituto das Irmãs Oblatas no Brasil não se identifique necessariamente com as opiniões e posicionamentos dos conteúdos de terceiros, valorizamos uma reflexão abrangente a partir de diferentes pontos de vista. A Instituição busca compreender a prostituição a partir de diferentes áreas do conhecimento, trazendo à tona temas como o estigma e a violência contra as mulheres no âmbito prostitucional. Inspiradas pela Espiritualidade Cristã Libertadora, nos sentimos chamadas a habitar lugares e realidades emergentes de prostituição e tráfico de pessoas com fins de exploração sexual, onde se faz necessária a presença Oblata; e isso nos desafia a deslocar-nos em direção às fronteiras geográficas, existenciais e virtuais.   

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