Mulher, negra, trans: a vida real é uma somatória de opressões
Sarah Mund explica a teoria da interseccionalidade, que diz que as formas de exclusão não podem ser analisadas individualmente
Quando se olha de fora é fácil assumir que uma pessoa enfrenta preconceitos por variados motivos e experimenta as diferentes opressões como se elas simplesmente fossem acrescentadas uma a uma. Mas como inúmeras mulheres incríveis já compartilharam com a gente aqui na AzMina mesmo, em nossa atual sociedade ser uma mulher negra ou uma transexual cadeirante, para dar alguns exemplos, é muito mais complexo do que ser “só” mulher, “só” negra, “só” transexual ou “só” cadeirante. E existe um nome para isso: interseccionalidade.
O termo foi cunhado em 1989 pela advogada e ativista americana Kimberlé Crenshaw (mulher porreta envolvida com os movimentos Black Lives Matter [vidas negras importam] e #SayHerName [diga o nome dela] nos EUA e que tive o privilégio de ouvir em duas palestras na faculdade onde curso mestrado). Ela deu nome a um sentimento que muitos tinham, mas não sabiam como expressar, e que já tinha sido abordado por outros acadêmicos.
Segundo a teoria interseccional, diferentes formas de exclusão não atuam de forma independente, mas estão relacionadas e não podem ser examinadas individualmente
Foi por se encontrar em uma verdadeira sinuca que ela chegou a esse nome. Um caso em que estava trabalhando envolvia duas mulheres negras que estavam processando a empresa onde trabalharam por lhe negarem a oportunidade de serem promovidas; a empresa alegou que não praticava preconceito algum, já que entre os funcionários que cresceram dentro da corporação estavam tanto mulheres quanto negros. Mesmo que nenhuma mulher negra tenha tido a mesma oportunidade, o juiz estava tendo dificuldades em discordar da defesa, já que de fato a empresa não podia ser apontada por desfavorecer seus funcionários com base no sexo ou na etnia.
Foi assim que ela percebeu que precisava encontrar uma forma de descrever a opressão sofrida por mulheres negras, que embora tivesse semelhanças com o que passavam tanto mulheres quanto negros tinha, suas próprias particularidades
A primeira coisa que ela quis mostrar foi que essas mulheres eram invisíveis em pesquisas, já que a na grande maioria das vezes a categoria mulher se aplica às brancas e a categoria negro se aplica aos homens, de uma forma ou de outra elas acabavam ficando de fora dos resultados.
Para demonstrar isso de forma didática ela pensou em intersecções de estradas, quando uma rodovia se encontra com outra e aquele ponto de encontro é tanto parte de uma via quanto de outra, mas diferente de cada uma por si só. Embora o objetivo inicial de Crenshaw tenha sido encontrar uma maneira de melhor representar suas clientes na justiça ao descrever a realidade das mulheres negras, o termo, com sua simplicidade, engloba inúmeras possibilidades e se aplica às mais variadas formas de opressão que as pessoas podem enfrentar.
Como eu já falei antes aqui nesse espaço, a importância de darmos nomes às coisas é sem tamanho, pois só assim podemos de fato alcançar alguma mudança. Pode parecer extremamente otimista, mas o fato de darmos um nome permite que essas pessoas e suas realidades deixem de ser invisíveis e ganham representatividade.
E por falar em representatividade, vale a pena da próxima vez falarmos sobre a importância da representatividade, que vai muito além de incluir um punhado de atores de etnias diferentes em um filme ou novela para dizer que o elenco é diversificado. Ficou com alguma dúvida? Quer saber sobre algo específico? É só mandar a pergunta que a gente responde!
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Fonte: http://azmina.com.br/2017/07/mulher-negra-trans-a-vida-real-e-uma-somatoria-de-opressoes/