Você já notou como a imagem da mulher é explorada pela mídia? Não? Então preste atenção nas propagandas de bebidas, nos comerciais de produtos de limpeza. Além de estar atrelada obrigatoriamente a um padrão de beleza ou sempre reproduzir o perfil da mais dócil dona de casa, a figura feminina écolocada como um alvo fácil para a indústria de consumo.
Diante deste cenário, vários países da América Latina começaram a se mobilizar e afirmar que é possível, sim, termos uma mídia menos sexista e machista. Afinal, ser mulher vai muito além de um cosmético, ultrapassa corpos sarados e bronzeados e não está nem aí para os últimos lançamentos de eletrodomésticos. Assim surgiu a Marcha Contra a Mídia Machista que, no Brasil, chegou a ser realizada em 11 cidades, no último dia 25 de agosto.
A Aditalconversou com Iara Moura, jornalista e integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, quem participou da Marcha na cidade de Fortaleza, estado do Ceará.
Nesta entrevista ela fala sobre os aspectos que – ligados a um patriarcado histórico – ainda ditam a mídia, e outros setores da sociedade. Mas com muito engajamento e fortalecimento dos movimentos organizados essa história já começa a mudar. Confira.
Adital – O que a Marcha Contra a Mídia Machista representa para uma sociedade que ainda vive permeada pelo machismo cultural?
Iara Moura – A marcha representa a insatisfação da sociedade e, sobretudo, das próprias mulheres diante da propagação de conteúdos machistas, sexistas nos conteúdos midiáticos. Sabemos que a sociedade se organiza a partir de uma base patriarcal que tende a localizar e oprimir as performances ligadas ao eixo do feminino em uma situação de inferioridade. Essa relação se reproduz de maneira contundente nas propagandas por meio da banalização da violência (como no caso da propaganda da Nova Schin), da exposição e mercantilização do corpo da mulher. A Marcha traz ao debate público a discussão sobre a violência simbólica, um tipo de violência ainda pouco discutido.
Adital – Como surgiu a ideia de realizar a Marcha? Deu para sentir se houve resultados?
Iara Moura – A ideia surgiu de um grupo de mulheres de Fortaleza que diante da mobilização de outras cidades resolveram também marcar o dia 25 de agosto como um dia de luta e debate em torno desta questão.
Adital – Hoje os debates ocorrem com mais frequência. Você acha que nossa sociedade está mais atenta para esta mídia que temos e a que queremos?
Iara Moura – Os movimentos vêm se organizando para construir uma agenda feminista e somar-se à campanha pela Liberdade de Expressão e em defesa de um novo marco regulatório das comunicações no Brasil. Com essas ações, a sociedade civil tem demonstrado seu descontentamento com o machismo e a misoginia veiculada nos meios de comunicação e tem reafirmado a necessidade do controle social dos conteúdos veiculados pelos meios de comunicação e, sobretudo, no rádio e na tv que, vale lembrar, são concessões públicas e devem estar a serviço da liberdade de expressão de todos e todas.
Adital – Em diversas propagandas, nas de bebidas alcoólicas, sobretudo, a imagem da mulher já ficou naturalizada como objeto. Existe alguma campanha que aborde o tema?
Iara Moura – Os movimentos feministas, de mulheres e de comunicação têm se organizado em torno desta pauta o que vem fazendo com que o debate ganhe contornos públicos e com que alguns avanços sejam alcançados. Podemos citar, por exemplo, a campanha recente de várias entidades se posicionando contra o machismo e o racismo da personagem Adelaide do programa Zorra Total [programa humorístico veiculado pela Rede Globo], a realização do seminário Mulheres e o direito à comunicação, promovido pela ONG pernambucana SOS Corpo, em junho deste ano, a movimentação em torno do estupro ocorrido na 12a edição do Big Brother Brasil, a reação contra apropaganda machista da nova schin e contra a transfobia em outra propaganda da mesma empresa, a entrada de pedido de retirada junto ao Conar [Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária] da campanha hope ensina, dentre outras.
Adital – Embora as mulheres tenham conquistado o seu espaço dentro do mercado de trabalho, a publicidade ainda relaciona a imagem feminina com a de dona de casa. O que fazer para mudar esta mentalidade?
Iara Moura – A chamada divisão sexual do trabalho é uma construção sócio- histórica e por isso mesmo passível de mudanças e transformações. Atribuir o âmbito doméstico ao sexo feminino e a vida pública ao masculino é uma das formas de conformação do patriarcalismo. Sabemos que o sistema capitalista também alimenta-se dessas desigualdades, violências e opressões. Por isso é preciso combater diariamente o machismo, a homofobia e todos os tipos de violências desde as mais explícitas até as mais veladas e, casada a essa luta, é preciso galgar novas formas de sociabilidade onde homens e mulheres estejam livres da opressão de gênero e do capital. Precisamos reverter o senso comum que atribui à voz masculina o lugar de legitimidade em contraposição à voz feminina. Isso fica explícito não só na publicidade como também no jornalismo. Quem são geralmente as fontes autorizadas a falar sobre economia ou novas tecnologias, por exemplo? Por outro lado, quem é a fonte preferencial nas matérias que tratam do aumento do preço dos alimentos? As mulheres têm se organizado para mostrar que a nossa voz também é legítima e merece ser ouvida e celebrada, para mostrar que as próprias mulheres, mais do que ninguém, serão sujeitas de sua emancipação.
Adital- Há possibilidade de realização de outras atividades como a Marcha?
Iara Moura – A marcha foi um pontapé inicial para a discussão aqui em Fortaleza. Esperamos que a iniciativa fortaleça os movimentos e coletivos já existentes e abra espaço para o surgimento de outros e que se criem na cidade mais e mais espaços de debate e luta contra o machismo, a homofobia e pelo direito à liberdade de expressão e comunicação.