Acompanhamento às Mulheres em Situação de Prostituição.
Valtemi Barreto Galdino.
O doce amargo.
Trabalhar com o contexto de prostituição é complexo, vai além do simples entendimento humano, é o mesmo que mergulhar em águas profundas e bater de frente com um lugar visivelmente visto pela sociedade como o “mal”. Acompanhar as mulheres deste contexto é despir-se de si, é ir ao encontro de uma realidade desconhecida por muitas pessoas, é o mesmo que entrar e sair do encontro com a mulher, construindo vínculos e empatia, é entrar sem ser convidado/a, tirar as sandálias e pisar nesse terreno como uma terra sagrada.
Este artigo vem seguindo um modelo de ordem, baseado em uma Proposta Pedagógica criada pelos Fundadores do Instituto das Irmãs Oblatas do Santíssimo Redentor – Pe. José Serra e Madre Antonia – desde o século XIX e que segue sendo revisada e recriada até os dias de hoje, respeitando a cultura e realidade dos povos, dos lugares por onde esta Instituição se faz presente.
Os/as trabalhadores sociais que vão se inserindo nessa realidade acabam tornando-se um instrumento de luz na vida das mulheres em situação de prostituição, porque a procura por uma solução é constante, a busca pela necessidade de ser escutada e ser orientada ultrapassa as expectativas de quem as acompanham.
Estar nesse espaço de acolhida às mulheres, muitas vezes procurado como a sua última esperança, exige de quem acolhe ou acompanha a mulher, muito respeito ao escutar os seus relatos carregados de histórias que estão a ponto de explodir a qualquer momento. É ter que se despir de conceitos e preconceitos, com um ouvido fino e o desejo de caminhar juntos e, no que lhe corresponde, orientar, acompanhar ou encaminhar. É se fazer Luz em novos caminhos turvos que as mulheres percorrem .
Assim, a missão do Instituto das Irmãs Oblatas do Santíssimo Redentor tem como propósito desenvolver um acompanhamento com sigilo, em respeito à história de vida das mulheres em situação de prostituição e para realizarmos um trabalho com eficácia, contamos com uma equipe multidisciplinar formada por trabalhadores sociais de diferentes especificidades numa equipe que reúne irmãs e funcionárias/os e também contando com apoio de parceiros sociais, voluntários de outras organizações, para encaminhamentos nas áreas jurídica, social, de saúde entre outros.
O acompanhamento é desenvolvido a partir do primeiro contato, seja na sede do Projeto ou nos diversos locais de visita onde é feita abordagem. Depois desse encontro vai se estabelecendo vínculos de aproximação e confiança com as/os trabalhadores sociais. Quando a mulher chega à sede do Projeto é feito o primeiro contato que chamamos de acolhida como uma estratégia principal de escuta e a partir desse momento, pouco a pouco, vai aumentando cada vez mais esse elo, onde se pode estender e aprofundar a partir dos relatos contados pelas próprias mulheres sobre suas histórias de vida.
“Aqui eu já converso sobre minha vida, choro e tudo mais”.
“Aqui, mesmo que vocês não possam nos ajudar, no mínimo nos ouvem, isso é muito importante ter alguém para nos amparar. ”
“Olha, eu não gosto de mentiras e essas mulheres, essas putas da Praça tudo são mentirosas, chegam aqui dizendo que tem isso e aquilo, que tem família rica, tem ouro, tem fazenda, mas na verdade não tem nada, são tudo umas fudidas, miseráveis”.
Tem-se a consciência de que é um trabalho amplo em se tratando dessa problemática, pois a própria mulher rotulada com estigma e vítima de violação de direitos, é carregada de preconceito e de uma pobreza de conhecimentos com respeito às Políticas Públicas, distanciando-se do acesso aos seus direitos de cidadã.
Por isso, os acompanhamentos e as formações oferecidas pelo Projeto visam possibilitar que as mulheres assistidas aprendam a conhecer seus direitos, a descobrir valores, a adquirir autonomia para que externem suas opiniões acerca dos aspectos positivos e negativos, na medida em que se consolida um espaço de diálogo com discussão e reflexão.
Segundo os relatos, a maioria das mulheres que o Projeto Força Feminina acompanha, se esconde atrás de “cortinas” impossibilitando-as de usarem seu próprio nome, de revelarem a sua identidade, tudo isso pensando em se preservar e também ocultar-se dos familiares, por vergonha ou medo de ser descoberta, e da justiça, por conta de uma série de problemas que são criados nesse contexto de prostituição, que muitas vezes está ligado ao envolvimento com tráfico de drogas, roubos, assassinatos, entre outros.
“eu já passei por várias coisas, só Deus que me salvou, até arma na cara já tive (…)”.
“… eu preferi deixar para lá! Continuar ia dá em desgraça, com meus filhos, ele tentou matar”
“Ali era parceira, não tinha besteira com nada, com ela tudo era repartido, até a maconha, eu era que às vezes, que pisava na bola com ela.”
“Na cadeia, chegava os quilos de comida, para mim e pra ela, como ela estava doente não comia nada, era eu que passava o rodo, e comia tudo, ela só fazia olhar para mim, e dizia vai morta fome, e eu mi acabava de rir”.
O Instituto das Irmãs Oblatas do Santíssimo Redentor prepara e capacita uma equipe multidisciplinar, apostando em trabalhadores sociais sensíveis à causa da mulher, prontas/os a atender a essa demanda, com os sentidos apurados, propícios a cada vez mais desenvolver uma escuta bem veraz.
Sua Proposta Pedagógica tem como objetivo capacitar as mulheres de baixa prostituição, com intuito de que adquiram conhecimentos com respeito aos direitos dentro da sua própria realidade, buscando assim que a mesma possa construir com suas próprias mãos e andar com seus pés.
Durante as ações realizadas em vários momentos e em diversos espaços percebe-se a presença do sagrado em cada mulher e até se desenvolve momentos específicos com a proposta de acolher a divindade que habita nas mulheres e em seu contexto histórico, desde o respeito à cultura e a sua história de vida.
A realidade de vida dessas mulheres em situação de prostituição é complexa, ambígua e desafiante, principalmente considerando o contexto em que estas mulheres estão inseridas, tais como: pobreza, drogas, luta por sobrevivência, contexto patriarcal, violências, e essas são umas das muitas realidades destas mulheres que se mostram fortes, muitas das vezes alegres, mas por dentro carregam uma amargura infindável. Mostram-se desconfiadas, mas tranquilas, trazendo muitos segredos de si e do contexto da prostituição em que vivem, demonstrando uma baixa autoestima.
Então, o acompanhar é envolver-se sem se misturar, compreender o que a olho nu não seria compreendido, é mergulhar numa realidade, cultura ou crença, que talvez seja diferenciada da sua ou não. É estar lado a lado o tempo todo servindo de lamparina incandescente. A partir do momento que o/a trabalhador/a em sua ação educativa realiza esse encontro não é simplesmente encontrar com uma pessoa comum e sim abraçar também um contexto histórico de vida, isso com muito carinho e respeito.
Assim vão surgindo a cada dia esses emaranhados de assuntos ou problemas, nos milhares e milhares de casos diferenciados que as mulheres trazem para o nosso âmbito de trabalho, seja nas Rodas de Conversa, no espaço de Cantinho da Beleza, em Seminários, nos encontros de Cirandas Parceiras, numa Oficina Roda Viva, em uma conversa individual, também em visitas, seja hospitalar, domiciliar, em presídio feminino, ou em locais de prostituição.
Em tudo somos chamados/as a analisar este lugar, como uma escola da vida, onde se entra cheio de expectativas e ideais, pensando, “ó, já estou pronto/a para semear conhecimento”, mas na verdade é mais um passo de desafio e que o/a trabalhador/a social vai aprendendo a lidar com a mulher e seu contexto de prostituição; é cirandar em águas profundas, levando e buscando um novo, é experimentando sabores, cheiros e gostos de cada realidade.