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Projeto de estudante leva vozes de mulheres assediadas para locais públicos de Salvador

O ‘Tô Na Rua, Mas Não Sou Sua’, usa o espaço urbano para despertar a reflexão de homens e mulheres sobre o assédio sexual sofrido diariamente

Nojo e medo. No dicionário, nojo é repugnância, náusea, repulsa. Medo é fobia, pavor, terror. É o que mulheres sentem quando você, homem, no meio da rua, se dirige a elas como “gostosa” ou milhares de coisas do tipo. Nojo e medo estão presentes em todos os dez depoimentos gravados por uma estudante de Comunicação em seu trabalho de conclusão de curso. Tem ainda impotência, raiva, tristeza, ódio… 
Larissa Novais, 22 anos, levou para o Campo Grande as vozes de mulheres assediadas nas ruas de Salvador. O projeto Tô Na Rua, Mas Não Sou Sua, usa o espaço urbano para despertar a reflexão de homens e mulheres sobre o assédio sexual sofrido diariamente. Um totem com dois fones de ouvido, colocado no meio da praça, reproduz as vozes das vítimas.
Um tóten com fones de ouvido  colocado no Campo Grande reproduz vozes de vítimas de assédio 
(Foto: Marina Silva/CORREIO)

Os depoimentos são marcantes e não param durante 50 minutos seguidos. “A ideia é que pareçam não ter fim. Como parece não ter fim o assédio que a gente sofre”, diz Larissa. “Senti uma mão passando na minha bunda, era um homem. Ele parou o carro e começou a me chamar. Fiquei com medo de ser raptada. Me sinto um objeto. Dá vontade de voar no pescoço. Gostaria que os homens se colocassem no lugar de suas mães e filhas”, narrou Bruna, um dos nomes fictícios a colaborar com o projeto. As vozes anônimas podem ser ouvidas também no site www.tonarua.com   


O trabalho começou em novembro de 2015. Em busca dos relatos, Larissa fez um formulário e compartilhou no Facebook. Em  uma noite, coletou 167 histórias. “Foi tanta gente que tive de tirar do ar. Li  todos”.  Separou dez e procurou as vítimas para gravar os relatos. “Toparam na hora”.
O resultado nas ruas é surpreendente. Jorge Silva, um dos que pararam para ouvir os depoimentos, enxergava o assédio como algo natural. Enxergava. “Nunca parei para refletir sobre isso, sobre o que as mulheres acham disso”, disse. “É uma cultura enraizada. Os homens têm que entender que a mulher ali está se sentindo oprimida”, diz o estudante João Pedro Silva, 23 anos, que admitiu já ter soltado uma “cantada” na rua. 

Larissa Novais idealizou o projeto Tô Na Rua, Mas Não Sou Sua (Foto: Marina Silva/CORREIO)

“A gente é quase obrigado a fazer isso. Você é impelido pelos seus amigos. Me arrependo”, acredita João Pedro. As mulheres também pararam para escutar as vozes antes silenciadas. Ao ouvir os relatos, muitas contaram os próprios assédios sofridos. “O namorado de uma amiga entrou nu no quarto em que eu dormia e ficou me olhando dormir. Acordei, fiquei paralisada e comecei a chorar”, contou a estudante Maíra Dumas, 22 anos.  
Feminista, Larissa diz que uma de suas inspirações foi justamente a série de reportagens Silêncio das Inocentes,  que o CORREIO publicou em dezembro do ano passado. O trabalho revelou histórias de mulheres estupradas e fez um mapa do estupro em Salvador.
No site da série, vozes de relatos de vítimas eram ouvidas incessantemente.  “Não só me inspirei como usei como referencial teórico”,  afirma Larissa. O Silêncio das Inocentes conquistou o INMA Global Media Awards, o Oscar da mídia mundial.

Conteúdos do blog

As publicações deste blog trazem conteúdos institucionais do Projeto Força Feminina – Unidade da Rede Oblata Brasil, bem como reflexões autorais e também compartilhadas de terceiros sobre o tema prostituição, vulnerabilidade social, direitos humanos, saúde da mulher, gênero e raça, dentre outros assuntos relacionados. E, ainda que o Instituto das Irmãs Oblatas no Brasil não se identifique necessariamente com as opiniões e posicionamentos dos conteúdos de terceiros, valorizamos uma reflexão abrangente a partir de diferentes pontos de vista. A Instituição busca compreender a prostituição a partir de diferentes áreas do conhecimento, trazendo à tona temas como o estigma e a violência contra as mulheres no âmbito prostitucional. Inspiradas pela Espiritualidade Cristã Libertadora, nos sentimos chamadas a habitar lugares e realidades emergentes de prostituição e tráfico de pessoas com fins de exploração sexual, onde se faz necessária a presença Oblata; e isso nos desafia a deslocar-nos em direção às fronteiras geográficas, existenciais e virtuais.   

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