Maria Alice quer jogar

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Atleta de 10 anos joga futebol com os meninos, mas foi barrada em torneio masculino

A mãe fez campanha #MeninasTambémJogam para reverter decisão em cidade mineira.

Vieiras, na Zona da Mata de Minas Gerais, tem menos de 4.000 habitantes. Não é de se espantar que exista apenas uma menina com menos de 12 anos jogando futebol na cidade. Ela é Maria Alice, que, por não ter colegas da mesma idade que compartilhem da paixão pela bola, sempre treinou e competiu entre os garotos. Aos 10 anos, ela se preparava para disputar o maior campeonato de sua vida. Deu duro nos treinamentos. Viveu a ansiedade de todo atleta iniciante. Fez a mãe comprar uma chuteira nova, com bordado personalizado do seu nome. Até receber a notícia do treinador da equipe de futsal da cidade: sua inscrição havia sido rejeitada pela organização do torneio, que não prevê equipes mistas no regulamento.
“Somos de uma cidade pequena. Não há um time feminino na categoria dela. Por isso, desde os seis anos, ela joga com os meninos”, diz a mãe, Eliane Barbosa, que se emociona ao falar sobre o veto à filha caçula. “Foi uma frustração enorme. A Maria Alice estava muito empolgada para esse campeonato. Ela foi dormir aos prantos no dia em que ficou sabendo que não poderia jogar. Isso partiu meu coração”, conta. Naquela noite, depois de enxugar as lágrimas da filha, Eliane criou um abaixo-assinado na internet: “Deixem a Maria Alice jogar futebol! #MeninasTambémJogam”. Em dois dias, conseguiu 634 assinaturas e resolveu procurar pessoalmente a organização do torneio.
Copa SESC, que conta com a participação de equipes de várias cidades do Estado, é disputada em fases regionais e dividida por gênero e idade. O time de Vieiras tentou inscrever Maria Alice na categoria sub-11 masculina. Cientes da campanha na internet, os organizadores da competição mantiveram a posição de recusar a inscrição da menina. Ao EL PAÍS, um dos coordenadores do evento em Muriaé, onde a equipe vieirense vai competir, afirmou que Maria Alice não preenche os requisitos do regulamento para jogar. Primeiro, porque o torneio só admite meninas a partir da categoria sub-14 – para jogar nesta categoria, é preciso ter pelo menos 11 anos. Por fim, não é permitido que meninas atuem na categoria masculina (e vice-versa). “Se a gente abrir uma brecha, equipes podem pleitear a inscrição de um menino para enfrentar as meninas, colocando a integridade física delas em risco”, justificou o coordenador.
A pressão para reverter a decisão, porém, só fez crescer. Após uma semana, o abaixo-assinado a favor de sua admissão na Copa SESC acumulou mais de 19.000 apoiadores. Na noite desta quinta-feira, o gerente geral da unidade de Muriaé afirmou a Eliane que, após avaliações internas, a organização, enfim, deve aceitar a inscrição de Maria Alice. No entanto, o SESC Minas Gerais informa em nota que segue as “regras oficiais da Confederação Brasileira de cada modalidade, considerando que o regulamento da atividade não prevê a modalidade de futsal sub-11 mista com a participação de meninos e meninas na mesma equipe”.
Campeonatos escolares ou promovidos por empresas privadas já admitem que meninas sejam inscritas em categorias masculinas quando os participantes conseguem provar insuficiência de atletas para formação de um time feminino ou quando o regulamento da competição não prevê categorias em todas as faixas etárias para as garotas. Em 2016, a Secretaria de Esporte, Lazer e Juventude do Estado de São Paulo permitiu que Laura Pigatin, de 12 anos, disputasse os Jogos Escolares pela equipe masculina de São Carlos depois de ter rejeitado a participação da garota no ano anterior. Um abaixo-assinado criado por um amigo da família de Laura comoveu a organização.

Atacante, Maria Alice joga em time masculino desde os sete anos.
Atacante, Maria Alice joga em time masculino desde os sete anos.

O exemplo de São Carlos é uma inspiração para Maria Alice. “A discussão sobre igualdade de gênero precisa chegar ao futebol. Muita gente se sensibilizou com a história da minha filha e abraçou nossa causa”, afirma Eliane. A família da menina ainda tem esperança de que a organização do torneio reconsidere o pedido e confirme oficialmente a inclusão da atleta. O prazo para inscrições termina nesta sexta-feira, 18 de agosto. “As pessoas que promovem os campeonatos se esquecem de que meninas também gostam de futebol. A Maria Alice não pode pagar pela falta de atenção e incentivo ao futebol feminino”, diz a irmã mais velha, Maria Fernanda Barbosa, de 16 anos.
Movida pela paixão herdada do pai, Maria Alice desde cedo preferia jogar futebol com os meninos no recreio a pular corda com as amigas. Professores chamaram a mãe à escola para informar sobre o comportamento da menina. Em momento algum os pais pensaram em reprimir o gosto da filha pela bola. Tanto que, aos sete anos, ela passou a integrar o time formado por garotos em Vieiras. Camisa 10, atacante e goleadora, Maria Alice se destaca nos torneios da cidade, que nunca vetaram sua participação. O treinador não cansa de afirmar que “a menina leva jeito”. Ao lutar pelo direito da filha de competir com crianças do sexo masculino, Eliane cita o exemplo do AEM de Lleida, time de garotas que venceu um campeonato masculino na Espanha. Decepcionados com o desfalque inesperado, os colegas de time de Maria Alice a convidaram para acompanhar a delegação e assistir aos jogos em Muriaé. A menina não se conforma: “Se for pra não jogar, prefiro nem ir”.

#quebrandotabu
#meninastambemjogam

Fonte: EL PAÍS

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As publicações deste blog trazem conteúdos institucionais do Projeto Força Feminina – Unidade da Rede Oblata Brasil, bem como reflexões autorais e também compartilhadas de terceiros sobre o tema prostituição, vulnerabilidade social, direitos humanos, saúde da mulher, gênero e raça, dentre outros assuntos relacionados. E, ainda que o Instituto das Irmãs Oblatas no Brasil não se identifique necessariamente com as opiniões e posicionamentos dos conteúdos de terceiros, valorizamos uma reflexão abrangente a partir de diferentes pontos de vista. A Instituição busca compreender a prostituição a partir de diferentes áreas do conhecimento, trazendo à tona temas como o estigma e a violência contra as mulheres no âmbito prostitucional. Inspiradas pela Espiritualidade Cristã Libertadora, nos sentimos chamadas a habitar lugares e realidades emergentes de prostituição e tráfico de pessoas com fins de exploração sexual, onde se faz necessária a presença Oblata; e isso nos desafia a deslocar-nos em direção às fronteiras geográficas, existenciais e virtuais.   

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