Por Iracema Oliveira
Feminismo Negro no mundo
O Feminismo Negro ressurge enquanto luta organizada entre as décadas de 1960 e 1980, marcado especialmente pela criação da National Black FeministOrganization (1973), nos Estados Unidos. Esta organização possuía o objetivo de discutir questões relevantes a sobre a vida das mulheres negras.
O movimento de mulheres negras se debruça e reflete sobre o lugar das mulheres negras na encruzilhada das opressões[i].A proposição desta luta e resistência organizada era (e sempre será!) pensar os efeitosdo intercruzamento de opressões e violências em suas vidas.
O Feminismo Negro para além das lutas de mulheres negras, possuem sensibilidade para acolher e lutar por todas as minorias que estão em processo de exclusão. Desde o discurso proferido por SojonerTrut[ii]na Women’sRightsConvention em Akron, Ohio, Estados Unidos, em 1851 as mulheres negras explicitaram para o mundo a consciência que já tinham sobre a sua condição de não lugar e injustiça.
As mulheres negras perceberam (sabiamente) a tempos que organizações feministas não acolhiam as especificidades de suas pautas. Entenderamtambém quea luta antirracista não tratava com a devidaimportânciaas pautas feministas.Observando essas incongruências dos dois movimentos citados as mulheres negras se reorganizam e pautam as suas próprias demandas. Gerando agendas internacionais de mobilização e lutas.
Ainda sobre a esteira do movimento,nadécada de 90, durante o 1º Encontro da Rede de Mulheres Negras Afro-latina e Caribenha em Santo Domingo –naRepublica Dominicana – nasce o Dia da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha (1992). Fato que irá reacender e fortalecer o movimento de mulheres negras.
Ø Sugestões intelectuais negras decoloniais: KimberleCrenshaw, PatriciaHillColins, AngelaDavis e bellhooks.
Sobre Feminismo Negro no Brasil:
Já no Brasil, o movimento ganhou força no final dos anos 1970. Apesar das mulheres naquela época já terem o direito ao voto (conquistado desde de fevereiro de 1932), as negras, em específico, se sentiam deslocadas dos movimentosfeministas e antiracista. Fatores como a hipersexualização do corpo feminino negro, machismo, sexismo e racismo em diversas estruturas e também os reflexos do processo de escravização influenciaram diretamente manutenção daresistência e luta por um país mais justo e equitativo. Desta articulação e resistência resulta aLei nº 12.987/2014, que sancionada pela presidenta Dilma Rousseff, institui o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra.
O dia 25 de Julho em Salvador desde 2013 é fortalecidopela agenda do Julho das Pretas, que promove uma série de atividade durante todos o mês e se estende até o mês de agosto. A agenda do Julho das Pretas na Bahia é articulada pelo Odara – Instituto da Mulher Negra com apoio de outras organizações baianas.
Ø Sugestões intelectuais negras decolonias: Lélia Gonzalez, Sueli Carneiro, Jurema Verneck, Carla Akotirene, Djamilia Ribeiro e Joice Berth.
Mulheres negras e dados estatístico:
Será que realmente a vida das mulheres negras no nosso país anda tão difícil? Os dados apresentados abaixo refletem a realidade das mulheres negras em nosso país na atualidade:
- Em violência doméstica são: 58,68%; (Disque 180, a Central de Atendimento à Mulher)
- Em violência obstétrica são: 65,4%; (Fiocruz)
- Em mortalidade materna são: (53,6%);(Ministério da Saúde)
- Em 2015, 88,7% das(os) trabalhadoras(es) domésticas(os) entre 10 e 17 anos no Brasil eram meninas e 71% eram negras (PNAD Contínua Trimestral do IBGE)
- No trabalho informal são 52%; (IBGE)
- 01 mulher é morta a cada 1h30min;(IPEA)
- São 61% das mulheres assassinadas; (Atlas da Violência 2019 – IPEA)
- Dos 513 parlamentares, 52 são mulheres, sendo 07 mulheres negras (menos de 01%); (IBGE)
Os dados nos permitem inferir que as mulheres negras são:
- as mais pauperizadas;
- as que tem menos acesso aos diretos básicos (saúde e educação de qualidade, moradia digna);
- as que tem pouca (quase nenhuma) mobilidade social;
- as que ocupam os piores postos de trabalho;
- as mais vulnerabilizadas, oprimidas e exploradas;
Força Feminina e as mulheres atendidas
A Rede Oblata é um organismo mobilizador que atende e acompanha mulheres prostitutas que são de maioria mulheres negras, respeitando as escolhas e os direitos das profissionais, não podemos deixar de ratificar que o exercício da prostituição (nesta encruzilhada de opressões) agrava, ainda mais, as situações de violações de direitos vivenciada por nossas atendidas.
O projeto aqui em Salvador atende anualmente cerca de 420 mulheres que, em sua maioria, apresentam baixo grau de escolaridade. Segundo pesquisa diagnóstica realizada pelo Projeto Força Feminina em 2007, 80% das mulheres atendidas são negras e cerca de 70% possuem o ensino fundamental incompleto, o que por sua vez, inviabiliza maiores possibilidades de superação de violação e acesso a inclusão social. São mulheres provindas de famílias pauperizadas, marcada por conflitos familiares, pobreza e fome, 58% delas sustentam suas casas e tem na prostituição a única fonte de renda familiar. 12 anos se passaram e a realidade, a estatística só aumenta.
Estratégias de enfrentamento (muitas perguntas!):
Observando os dados apresentados acima podemos ratificar a importância de pensarmos nos desafios enfrentados pelas mulheres negras em nosso país? Quais seriam as estratégias mais eficazes para enfrentarmos esta situação desastrosa? Apontamos como caminhos de resistência ações de educação e sensibilização que discutamcom as mulheres como as violências se manifestam e apresentamos formas de buscar a garantia de seusdireitos. Acreditamos ser estratégico dialogarmos sobre as variadas formas de opressão de gênero.
Os dados citados que tratam da vida das mulheres, sobretudo as mulheres negras são estarrecedores. A sociedade brasileira (enfatizamos, não somente o movimento de mulheres negras) precisa se debruçar sobre a situação evidenciada nos dados estatísticos. Não será possível resolver a questão das desigualdades sociais, o racismo, o sexismo, a violência de gênero, a lgbtfobia, a violência contra mulher, encarceramento em massa, extermínio da juventude negra sem pensar na melhoria da qualidade de vida das mulheres negras em nosso país. O entendimento de Ângela Davis proferido no encontro internacional sobre feminismo negro decolonial em Cachoeira (2017):
“Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela, porque tudo é desestabilizado a partir da base da pirâmide social onde se encontram as mulheres negras, muda-se a base do capitalismo”.
traduz nosso sentimento e desejo de continuar disseminado a ideia de autocuidado, resiliência, empatia e sororidade e sobretudo união para resolvermos esta mazela que vem perdurando neste país desde os tempos das “invasões” portuguesas.
Por entender que a luta das mulheres negras é uma luta do povo brasileiro o Projeto Força Feminina participou de várias ações da Agenda do Julho das Pretas em Salvador:
- Mediando a roda de bate papo sobre Mulheres Negras: Representatividade e Liderança Roda de Conversa CRAS Nordeste 18/07
- Mediando a roda de bate papo sobre Mulheres Negras: Representatividade e Liderança Roda de Conversa CRAS São Cristovão 25/07
- Mediando a roda de bate papo sobre Mulheres Negras: Representatividade e Liderança Roda de Conversa CRAS Calabetão 26/07
- Mediando a roda de bate papo sobre Mulheres Negras: Representatividade e Liderança Roda de Conversa CRAS Lobato no dia 31/07
- Marcha de Mulheres Negras(Julho das Pretas e Instituto Odara)
- Seminário Educação Popular: debatendo e fortalecendo no dia 06/07 (EQUIP)
- Seminário Mulheres, política e poder: Construindo redes e garantindo Direitos no dia 06/07 (MUPPS)
- Seminário: Educadoras na diáspora africana – fé e lei 10.639/03 no dia 24/07 (CUXI)
- Seminário de Biopolíticas de Mulheres Negras – Práticas e Experiências contra racismo e o sexismo nos dias 25 e 26 deJulho (MPBA)
Na Unidade Força Feminina todo mês de julho foram desenvolvidas ações para mulheres atendidas a partir do eixo temático pré-estabelecido, como:
- Rodas de conversa sobre a importância da origem do dia da Mulher Negra, Latino–Americana e Caribenha e representações de mulheres negras no Brasil;
- Contribuição da Empresa Óleos da Mi sobre empoderamento Crespo;
- Exibição do documentário: “Virou o jogo: A história de Pintadas”;
- Oficina de cartazes para a Marcha das Mulheres;
- Momento de Espiritualidade refletindo a luta diária das mulheres negras na atualidade;
- Nas abordagens sociais (visita aos locais de prostituição) foi lembrada e refletida a data de 25 de julho.
As mulheres visualizarem esse mês de luta tornou o espaço de aprendizagem ainda mais rico. Elas, participaram ativamente das atividades propostas trazendo seus entendimentos acerca da temática e contribuindo para o crescimento da luta que ainda percorrerá um longo caminho.
“Eles combinaram de nos matar, mas nós combinamos de não morrer!”
Conceição Evaristo
Nós continuaremos em marcha!
Referencias
ü E não sou uma mulher? – SojournerTruth – https://www.geledes.org.br/e-nao-sou-uma-mulher-sojourner-truth/
ü “Mulheres, raça e classe”: o que Angela Davis nos tem a dizer sobre Direito– http://www.justificando.com/2019/05/23/mulheres-raca-e-classe-o-que-angela-davis-nos-tem-a-dizer-sobre-direito/
ü Angela Davis: “Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela” – https://brasil.elpais.com/brasil/2017/07/27/politica/1501114503_610956.html
ü Mulheres negras se mobilizam para ampliar presença na política: http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2018-07/mulheres-negras-se-mobilizam-para-ampliar-presenca-na-politica
ü Dossie Mulheres Negras Ipea: https://www.mdh.gov.br/biblioteca/igualdade-racial/dossie-mulheres-negras-retrato-das-condicoes-de-vida-das-mulheres-negras-no-brasil
ü Dialogando com KimberleCrenshaw (ou: porque falar de interseccionalidades nos limita):
ü Mulheres negras são as maiores vítimas de feminicídio no Brasil
ü Desemprego avançou mais rápido entre as mulheres negras no Brasil: https://www.dci.com.br/economia/desemprego-avancou-mais-rapido-entre-as-mulheres-negras-no-brasil-1.689066/3.296650
ü Mulheres negras se mobilizam para ampliar presença na política
ü Uma vítima a cada uma hora e meia: feminícidio é um dos grandes problemas do Brasil: https://gauchazh.clicrbs.com.br/donna/noticia/2017/01/uma-vitima-a-cada-uma-hora-e-meia-feminicidio-e-um-dos-grandes-problemas-do-brasil-cjpjyx5zj001pvvcnbkyt8du9.html
ü Dois terços das mulheres assassinadas no Brasil são negras. Por que elas morrem mais?
ü Akotirene, Carla. O Que é Interseccionalidade?São Paulo (SP): Sueli Carneiro: Polen. 2019. (Coleção: Feminismos Plurais)
ü Lisboa, Gilmara Santos. Narrativas Das Mulheres Em Situação De Prostituição Do Centro Histórico De Salvador: Reflexões Sobre Gênero, Raça E Classe. Revista Feminismos. Vol6. Nº2. 2018.
ü RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala? São paulo (SP): Sueli Carneiro: Polen. 2019. (Coleção: Feminismos Plurais)
ü RIBEIRO, Djamila. Quem tem medo do feminismo negro? São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
[…] o peso combinado das estruturas de raça e das estruturas de gênero marginaliza as mulheres que estão na base. As discriminações racial e de gênero procuram por mulheres na intersecção e as compactam e impactam diretamente. Portanto, as mulheres negras são afetadas, de maneira específica, pela combinação destas duas formas diferentes de discriminação (CRENSHAW, 2002, p. 12-13) apud LISBOA. 2018) .
[ii] SojounerTruth nasceu escrava em Nova Iorque, sob o nome de Isabella Van Wagenen, em 1797, foi tornada livre em 1787, em função da NorthwestOrdinance, que aboliu a escravidão nos Territórios do Norte dos Estados Unidos (ao norte do rio Ohio). A escravidão nos Estados Unidos, entretanto, só foi abolida nacionalmente em 1865, apos a sangrenta guerra entre os estados do Norte e do Sul, conhecida como Guerra da Secessão. Sojourner viveu alguns anos com um família Quaker, onde recebeu alguma educação formal. Tornou-se uma pregadora pentecostal, ativa abolicionista e defensora dos direitos das mulheres. Em 1843 mudou seu nome para SojournerTruth (Peregrina da Verdade). Na ocasião do discurso já era uma pessoa notória e tinha 54 anos. A versão mais conhecida foi recolhida pela abolicionista e feminista branca Frances Gage e publicada em 1863, essa é a versão traduzida aqui a partir de diversas fontes online.