É assim que se combate o machismo: com o empoderamento das meninas e mulheres

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Gina Vieira Ponte: A professora que enaltece a força das mulheres em sala de aula

“Falar dos direitos das meninas e das mulheres é uma questão da humanidade, porque todo mundo perde como sociedade quando não somos valorizadas.”

TATIANA REIS/ESPECIAL PARA O HUFFPOST BRASIL
Gina Ponte é a 103ª entrevistada do projeto “Todo Dia Delas”, que celebra 365 Mulheres no HuffPost Brasil.
No meio de livros de grandes mulheres, ela conta a sua própria história com lágrimas nos olhos. A menina negra que sonhava em ler, que sempre soube que seu lugar era na escola, agora ensina outras meninas a irem além. Depois de passar por um processo de desilusão com a própria profissão, a professora brasiliense Gina Viera Ponte, 46 anos, decidiu tomar as rédeas da sala de aula e criar métodos para atingir seus alunos adolescentes. Fez o premiado projeto Mulheres Inspiradoras que incentiva a leitura de grandes autoras da literatura mundial e brasileira e instiga as crianças a contarem a própria história.
Como os livros fazem parte da sua vida, não há como não iniciar esta história de outra forma. “Era um vez”… Uma menina que acreditava que a escola era um lugar mágico. A mãe dela não teve a oportunidade de estudar e ganhou uma enxada de presente de aniversário com cinco anos de idade, o pai carregava um sentimento de tristeza profundo por não ter aprendido a ler. Quando eles se juntaram na Brasília dos sonhos de Juscelino Kubistchek, tiveram oito filhos e um grande objetivo na vida: que todos estudassem.

Os dois tinham uma narrativa muito potente sobre a escola como algo que me daria super poderes! Era algo como ‘no dia que você estudar, você vence o mundo’. Então eu queria aprender a ler e a escrever pra ver o que era aquilo que meu pai falava.

TATIANA REIS/ESPECIAL PARA O HUFFPOST BRASIL
O racismo se apresentou para Gina em forma de chacota e xingamentos.
A realidade quando ela chegou na escola, no entanto, foi outra. O racismo se apresentou para Gina em forma de chacota e xingamentos. “Além de ser negra, a nossa situação era precária, meu pai era vendedor ambulante e minha mãe resolveu ficar em casa pra cuidar dos filhos, plantávamos o que comíamos e só usávamos roupas usadas. Como estratégia de sobrevivência, eu resolvi me tornar uma criança invisível”, conta.
Ela tinha dificuldades para aprender a ler e ninguém notou. Enganava as professoras decorando e repetindo a fala dos amigos. Até que um dia uma professora mudou o curso das coisas. “Apesar dos meus esforços pra ser invisível, ela me descobriu. Quando eu cheguei na carteira dela, pronta pra levar uma bronca, ela me colocou no colo”, conta Gina com a voz embargada. “E isso para uma criança preta na escola é tão raro. Foi uma coisa muito potente pra mim, pensei ‘ela não tem nojo de mim’. Ali, no colo dela, me senti passível de ser amada”.

Ali, no colo dela, me senti inteligente e capaz de aprender, ela me deu um sonho. Ali, no colo dela, eu disse sim pra mim mesma.

ATIANA REIS/ESPECIAL PARA O HUFFPOST BRASIL
Como os livros fazem parte da sua vida, não há como contar sua história sem citá-los.
Ela se formou no magistério e se tornou professora do ensino infantil na rede pública do DF. Quando finalmente foi ensinar para adolescentes conheceu o caos. “Foi difícil, era menino pendurado na janela, uma gritaria. E como eu não acredito na educação pela ameaça, fiquei falando sozinha. Eu entrei na mesma sala onde 11 anos antes eu tinha sido aluna e fui tomada por uma sensação de fracasso, cheguei a entrar em um processo de depressão. A minha primeira reação foi pensar em desistir, aquilo não era pra mim, eu tinha sonhado errado. Mas, felizmente, eu continuo conversando com aquela menina que eu fui”, aponta.
Gina foi atrás de respostas. Não podia ser só “fiquem quietos e estudem”. “Todo mundo fala que os jovens viram as costas para a escola, mas é a escola que vira as costas pra eles. A gente tem uma educação pra obediência e subordinação e não para a construção do pensamento crítico ou para a criança aprender a se relacionar.”
A mudança na sala de aula não estava na teoria, quem me daria o caminho seriam meus alunos.
ATIANA REIS/ESPECIAL PARA O HUFFPOST BRASIL
“Fui estudar, pesquisar e descobri que as mulheres são educadas para que o seu único valor seja ser desejada por um homem.”
Quando sequer tinha computador ainda, entrou no Orkut para tentar entender o que os alunos acessavam, passou a ver a velocidade com que as crianças recebiam as informações e que elas estavam para além dos livros. Já na era do Facebook, ela se deparou com um vídeo de uma aluna dançando de uma forma depreciativa uma música machista. Aquele incômodo a fez questionar o por quê das meninas se exporem daquele jeito. “Fui estudar, pesquisar e descobri que as mulheres são educadas para que o seu único valor seja ser desejada por um homem. Começa com as princesas que tem a sua vida salva por um príncipe, com alguém que sofre, que rivaliza com outra mulher pra ter atenção do homem, imagine esse discurso sendo passado pra gente desde que a gente nasce? Ou então achar que ela nasceu pra ser mãe e que precisa cuidar de todo mundo, menos dela mesma?”
Falar sobre feminismo em sala de aula apenas com discurso não funcionaria, então, Gina criou uma estratégia. “Busquei me ressignificar como professora e buscar uma porta pro diálogo, com debate, colocando o aluno no centro”. Ela criou o projeto Mulheres Inspiradoras com seus alunos do nono ano da Ceilândia, periferia do DF, em 2014. Eles deveriam estudar a biografia de dez mulheres da literatura e apresentar, da forma que quisessem, pro resto da escola.

A primeira questão do projeto é a valorização da mulher, mas ele é maior do que isso, porque ela fala sobre contestar o modelo tradicional da escola e dar voz aos silenciados.

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Depois de escutar tantas histórias, os alunos começaram a postar fotos com a frase “nós dizemos não a qualquer forma de violência contra mulher”

Além disso, os alunos precisavam ir atrás de mulheres inspiradoras da vida deles. Então, eles foram atrás de mães, avós, tios, vizinhos, de histórias de família guardadas. “Foi muito transformador também dizer pra essas mulheres: olha, você é importante. Acabou acontecendo uma ressignificação das próprias vivências delas”, aponta Gina.
A professora leu mais de 150 entrevistas com duros casos de abandono, de violência, de cuidado total apenas à família, de abdicar de vontades próprias, de mulheres que casaram cedo ou sofreram abusos, mas especialmente de superação. Histórias tão preciosas que  acabaram se transformando em um livro.
 Falar dos direitos das meninas e das mulheres é uma questão da humanidade, porque todo mundo perde como sociedade quando não somos valorizadas.

TATIANA REIS/ESPECIAL PARA O HUFFPOST BRASIL
“Falar dos direitos das meninas e das mulheres é uma questão da humanidade.”
O projeto se estendeu e foi parar nas redes sociais. Depois de escutar tantas histórias, os alunos começaram a postar fotos com a frase “nós dizemos não a qualquer forma de violência contra mulher” e a compartilhar experiências. A ideia acabou ganhando doze prêmios nacionais e internacionais. No ano passado, com apoio da Organização de Estados Ibero-americanos, Gina passou a fazer um programa piloto para que os Mulheres Inspiradoras fosse inserido como política pública em todas as escolas da rede pública do DF. Além de estar fazendo um mestrado, ela também está tentando inserir a ideia dentro de seis escolas que funcionam no sistema prisional.
Ficha Técnica #TodoDiaDelas
Texto: Tatiana Sabadini
Imagem: Tatiana Reis
Edição: Andréa Martinelli
Figurino: C&A
Realização: RYOT Studio Brasil e CUBOCC
O HuffPost Brasil lançou o projeto Todo Dia Delas para celebrar 365 mulheres durante o ano todo. Se você quiser compartilhar sua história com a gente, envie um e-mail para[email protected] com assunto “Todo Dia Delas” ou fale por inbox na nossa página no Facebook.
Todo Dia Delas: Uma parceria C&A, Oath Brasil, HuffPost Brasil, Elemidia e CUBOCC

Conteúdos do blog

As publicações deste blog trazem conteúdos institucionais do Projeto Força Feminina – Unidade da Rede Oblata Brasil, bem como reflexões autorais e também compartilhadas de terceiros sobre o tema prostituição, vulnerabilidade social, direitos humanos, saúde da mulher, gênero e raça, dentre outros assuntos relacionados. E, ainda que o Instituto das Irmãs Oblatas no Brasil não se identifique necessariamente com as opiniões e posicionamentos dos conteúdos de terceiros, valorizamos uma reflexão abrangente a partir de diferentes pontos de vista. A Instituição busca compreender a prostituição a partir de diferentes áreas do conhecimento, trazendo à tona temas como o estigma e a violência contra as mulheres no âmbito prostitucional. Inspiradas pela Espiritualidade Cristã Libertadora, nos sentimos chamadas a habitar lugares e realidades emergentes de prostituição e tráfico de pessoas com fins de exploração sexual, onde se faz necessária a presença Oblata; e isso nos desafia a deslocar-nos em direção às fronteiras geográficas, existenciais e virtuais.   

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