Daniele Toledo: A mulher que se tornou infanticida pela opinião pública
A história é de horror e o absurdo da tragédia poderia ser de ficção, mas infelizmente foi acontecimento vivido por uma mulher tornada infanticida pela opinião pública. Daniele Toledo era jovem mãe de 21 anos quando foi acusada por uma médica plantonista de colocar cocaína na mamadeira da filha caçula, de 1 ano e 3 meses. A bebê Victoria faleceu em um hospital infantil no interior de São Paulo após três paradas cardíacas. Daniele foi presa e permaneceu por 37 dias na cadeia. Se quatro semanas parece pouco tempo para aqueles que acreditam que prisão é resposta justa para mulheres bandidas e más, a história de Daniele nos obriga refletir sobre a ineficiência do Estado diante do autoritarismo médico e policial para punição de mulheres acusadas de crimes moralmente terríveis.
A filha de Daniele tinha uma doença desconhecida – entre febres, coma e convulsões a bebê era paciente frequente na internação do hospital universitário da cidade. Numa madrugada Daniele foi estuprada por um jovem branco nos corredores escuros do mesmo hospital. Ela denunciou a violência sofrida e contou que o violentador teria sido um jovem estudante de medicina. A materialidade do estupro foi comprovada, mas o material coletado desapareceu e por isso a autoria nunca foi confirmada.
Meses após o episódio violento Daniele retorna ao pronto-socorro com a filha em coma. Se o falecimento de uma filha é evento trágico, na história de Daniele a morte da bebê naquele hospital foi o acontecimento que justificou a vida sequestrada. A notícia do falecimento foi dada pela médica pediatra: “Olha o que você fez! Tá feliz? Era isso que você queria? Você matou a sua filha com overdose do cocaína!” (Toledo, 2016, p.49). Daniele foi presa em flagrante no hospital e virou notícia em veículos nacionais e internacionais.
Uma mãe acusada de matar a filha não poderia ser reconhecida pela própria humanidade e por isso foi tornada monstro. Daniele Toledo se transformou no “Monstro da Mamadeira” – alcunha utilizada por noticiários e autoridades da segurança pública. Durante os dias em que esteve presa foi torturada, espancada,perdeu parcialmente a audição, ficou cega do olho esquerdo e até hoje sofre convulsões devido o coágulo no cérebro resultado dos chutes que levou na cabeça.
Os exames laboratoriais não encontraram nenhuma cocaína na mamadeira da bebê, apenas medicamentos receitados pelo médico. Nunca nenhum médico, autoridade policial ou o hospital foram responsabilizados. Daniele foi inocentada apenas em 2008 e recebeu 15 mil reais de indenização do Estado brasileiro. Não custa lembrar que o montante – que não representa nem um mês de trabalho de um juiz ou delegado – não lhe devolverá a vida que foi interrompida no dia da morte de sua filha. No entanto, Daniele resiste e 10 anos depois publica o livro Tristeza em pó. Daniele testemunha sobre sua própria história. Seu testemunho nos alerta sobre como uma fantasia da personagem infanticida tem a potência de transformar em tristeza uma vida já precarizada pela pobreza e violência.