O exercício da maternagem no contexto da crise sanitária

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Coração de Mãe na Real!

Durante o mês de maio a Rede Oblata esteve promovendo conteúdos que nos impulsionaram à reflexão sobre os desafios da maternidade. Na campanha Coração de Mãe na Real discutimos também as vulnerabilidades vivenciadas pelas mulheres/mães durante a atual crise sanitária. Traremos neste texto uma breve reflexão sobre os impactos da crise pandêmica no exercício da maternagem, desafios, dificuldades e sobrecargas.

A crise sanitária impôs à sociedade a necessidade vital de estar o máximo de tempo possível em suas casas pelo menos aos que dispunham desta possibilidade. Salientamos que uma parcela significativa da população entende a necessidade de fazer o isolamento social, porém as condições desiguais (de gênero, econômicas, sociais, raciais e geracionais) do nosso país a impediu de realizá-lo a contento. Uma das poucas estratégias apresentadas – no início dessa difícil situação – para não sermos infectados/as pelo vírus era estarmos em distanciamento social. Porém a proposição de distanciamento e isolamento social também proporcionou as mulheres/mães diversos desafios. Perda no exercício profissional, perda de poder aquisitivo, aumento da jornada de trabalho e aumento das responsabilidades das mulheres/mães em relação aos cuidados sejam com os/as filhos/as, sobrinhos/as, netos/as e idosos/as. O distanciamento social acarretou as mulheres/mães mais tempo de dedicação aos cuidados com as crianças e adolescentes para atividade de lazer e acompanhamento educacional. Estes cuidados, segundo dados que veremos abaixo, foram sobrepostos e acumulados com as demandas profissionais.  A fragilização das redes de apoio (escola, creche, familiares, amigos/as) por conta do distanciamento social tem trazido consequências negativas na vida das mulheres/mães para realização do trabalho produtivo.

Segundo dados recentes, 50% das brasileiras passaram a cuidar ou se responsabilizar de outras pessoas durante a crise sanitária. Entre essas mulheres, 80,6% passaram a cuidar de familiares, 24% de amigos/as e 11% de vizinhos. O estudo nos apresenta também que 72% afirmam que aumentou a necessidade de monitoramento e companhia aos seus familiares. Entre aquelas que cuidam de filhos e filhas de até 12 anos, 37% consideram que houve um aumento das tarefas, e 40% disseram que aumentou muito as demandas de cuidados. Entre as mulheres responsáveis pelo cuidado de outra pessoa, 57% são responsáveis por filhos de até 12 anos, e 6,4% afirmaram ser responsável por outras crianças. (Relatório das ONGs Gênero e Número e da Sempreviva Organização Feminista (SOF).

Quase 40% das mulheres entrevistadas na pesquisa afirmaram que o isolamento social tem posto em risco o sustento de seu lar; dessas mulheres, 55% eram negras, geralmente as mais afetadas. Das mulheres que seguiram trabalhando durante a pandemia com manutenção do salário 41% afirmaram trabalhar mais na quarentena. (Dados do Relatório das ONGs Gênero e Número e da Sempreviva Organização Feminista (SOF))

Segundo dados do IBGE, quase 8,5 milhões de mulheres saíram do mercado de trabalho no terceiro trimestre de 2020, e a participação destas caiu a 45,8%, este nível é mais baixo em três décadas. Para a maioria das mães, especialmente para as que são as únicas encarregadas do lar, as dificuldades relativas ao cuidado e a sobrecarga de tarefas persistem. Existe também uma grande preocupação sobre manutenção e sustentabilidade de seus lares que foi agravada pela crise sanitária.

A casa o lugar que entendemos como ambiente de acolhimento e segurança, não estão sendo seguros para mulheres, mães, jovens, adolescentes e crianças brasileiras.

O Instituto Patrícia Galvão realizou um levantamento sobre os Impactos do Isolamento e da Quarentena na Violência Contra Mulher em 2020. Apontaremos alguns dados: para 75% dos entrevistados houve aumento das agressões físicas; para 73% houve aumento das agressões verbais; para 57% houve aumento de violência sexual; para 45% houve aumento dos xingamentos e ameaças pela internet; e para 44% houve aumento dos assédios. Os principais motivos apontados pelos entrevistados para aumento das violências foram: aumento de consumo de álcool (91%); estrese/irritação por causa do isolamento (91%); pessoas convivendo por mais tempo dentro de casa (83%); preocupação com falta de dinheiro (81%); mulheres e homens tendo contato por mais tempo (78%); sobrecarga da mulher pela falta de divisão do trabalho (74%). Podemos concluir que as mazelas do machismo e da misoginia mesmo durante uma crise sanitária continuam violentando as mulheres e mães em seus lares. Dado do Disque 100 nos informam que em 2020, foi registrado o maior número de denúncias de violência contra crianças e adolescentes desde 2013. Foram cerca de 95 mil notificações por meio do disque denúncia, uma média de 260 por dia.

As mães de jovens pretos, pardos e pauperizados que vivem nas zonas periféricas do país, ainda precisam enfrentar a violência institucional que invadem suas casas e seus territórios, através das operações policiais que adentram as favelas brasileiras violentando e assassinando seus filhos. As forças policiais do Estado ocasionaram a morte de 5.600 pessoas em 2020; a maioria de jovens, pretos e pardos e moradores das periferias do país. (Monitor da Violência 2020)

Encaramos o descaso do Estado e o pouco engajamento da sociedade sobre a importância do exercício da maternagem plena para construirmos uma sociedade mais justa e equânime. Precisamos criar estratégias de enfretamento diário a um sistema machista, misógino, racista e neoliberal que nos inferioriza, nos subjuga, nos violenta, nos explora e tenta nos aniquilar. Exercitar a maternagem numa ambiência de opressão, omissão e violação tem sido uma prática de superação de desafios pessoais e comunitários.

A sociedade brasileira vivencia um aumento dos registros de violências contra mulher, e dos índices de feminicídio, um mercado de trabalho que não atende as expectativas profissionais e financeiras das mulheres/mães. Nós, mulheres/mães vivemos o desemprego e estamos nos postos de trabalho mais precarizados; percebemos as menores remunerações; estamos no lugar do trabalho reprodutivo e do cuidado não remunerado; estamos na base da pirâmide, vivenciado as desigualdades; não estamos nos espaços de poder e tampouco nos espaços dos tomadores de decisão. Observamos explicitamente a exacerbação dos discursos de ódio e os retrocessos nas políticas de diretos sexuais e reprodutivos. Experenciamos também o receio de sermos infectadas pelo vírus letal, infectar nossos/as filhos/as, receio de não vencer o processo das formas mais grave da doença (Covid-19) e deixar nossos/as filhos/as em orfandade.

Sendo assim, o cenário está para lá de desafiador. A maternagem tem sido para nós um lugar de muita preocupação, anseios e desejos. Estamos exaustas, não conseguimos ser a prioridade da nossa existência e encontramos uma grande dificuldade para exercitar a maternagem em ambiência segura e que contribua no processo do caminhar saudável e feliz dos/as nossos/as filhos/as. Apesar do contexto, ainda acreditamos na sororidade, na manutenção das redes de apoio e acolhimento mútuo.  Neste momento tão delicado – e em certa medida caótico – contamos com a nossa esperança ativa.

 Seguimos com coração apertado, no lugar da precariedade e sendo as cuidadoras do mundo! 

Iracema Oliveira
Educadora Social e referência de Comunicação do Força Feminina – Rede Oblata

Referencias:

Acesse o resultado da pesquisa sobre o trabalho e a vida das mulheres brasileiras na pandemia; escrito por Equipe SOF; publicado no site SOF Sempreviva Organização Feminista; encontrado em https://www.sof.org.br/acesse-pesquisa-trabalho-e-vida-mulheres-brasileiras-pandemia/

Agressões contra crianças aumentaram na pandemia; escrito por Alana Gandra; publicado em site Agência Brasil; encontrado https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2021-04/agressoes-contra-criancas-aumentaram-na-pandemia-diz-especialista

Desemprego, medo e sobrecarga: a realidade de mães solo na pandemia; escrito por Ana Carolina Caldas; publicado no site Brasil de Fato; encontrado em https://www.brasildefato.com.br/2021/05/01/desemprego-medo-e-sobrecarga-a-realidade-de-maes-solo-na-pandemia#:~:text=Em%202020%2C%20mais%20de%208,sair%20do%20mercado%20de%20trabalho&text=S%C3%A3o%20mais%20de%2011%20milh%C3%B5es,Geografia%20e%20Estat%C3%ADstica%20(IBGE).

Entenda o que é a Maternagem; escrito por Eu Sem Fronteiras, publicado em site Eu Sem Fronteiras; encontrado em https://www.eusemfronteiras.com.br/entenda-o-que-e-a-maternagem/

Estados não sabem raça de mais de 1/3 dos mortos pela polícia em 2020; dados disponíveis mostram que 78% das vítimas são negras; escrito por Camila Rodrigues da Silva, Felipe Grandin, Gabriela Caesar e Thiago Reis; publicado em Portal G1; encontrado em https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2021/04/22/estados-nao-sabem-raca-de-mais-de-13-dos-mortos-pela-policia-em-2020-dados-disponiveis-mostram-que-78percent-das-vitimas-sao-negras.ghtml

Maternidade e formas de maternagem desde a idade média à atualidade; escrito por Silvia Mayumi Obana Gradvoh, Maria José Duarte Osis e Maria Yolanda Makuch3; publicado em Pepsic; encontrado em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-494X2014000100006

Ministro do STF proíbe operações em favelas do Rio durante a pandemia; escrito por Gabriel Barreira; encontrado em Portal G1; encontrado em https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/06/05/fachin-proibe-operacoes-em-favelas-do-rio-durante-a-pandemia.ghtml

Mulheres são responsáveis por 75% de todo o trabalho de cuidado não remunerado no mundo; escrito por Equipe Eco Debate; publicado em Eco Debate encontrado em https://www.ecodebate.com.br/2020/02/03/mulheres-sao-responsaveis-por-75-de-todo-o-trabalho-de-cuidado-nao-remunerado-no-mundo-diz-oxfam/#:~:text=Um%20novo%20relat%C3%B3rio%20divulgado%20pela,empregos%20ou%20precisam%20abandon%C3%A1%2Dlos.

Os estragos invisíveis da pandemia para as mães solo; escrito por María Magdalena Arrellaga e Patricia Monteiro; publicado no site El País, coluna Pandemia de Coronavírus; encontrado em https://brasil.elpais.com/brasil/2021-03-17/os-estragos-invisiveis-da-pandemia-para-as-maes-solo.html

Relatório de pesquisa SEM PARAR o trabalho e a vida das mulheres na pandemia; escrito por Gênero e Número e SOF Sempreviva Organização Feminista; publicado no site Gênero e Número; encontrado em http://mulheresnapandemia.sof.org.br/wp-content/uploads/2020/08/Relatorio_Pesquisa_SemParar.pdf

Um retrato das mães solo na pandemia; escrito por Vitória Régia da Silva; publicado no site Gênero e Número; encontrado em http://www.generonumero.media/retrato-das-maes-solo-na-pandemia/

Violência contra crianças; escrito por Redação Observatório 3º Setor, publicado no site Observatório Terceiro Setor; encontrado em https://observatorio3setor.org.br/podcast/violencia-contra-criancas/

Violência doméstica contra a mulher na pandemia (Instituto Patrícia Galvão/Locomotiva, 2020); escrito por Equipe Instituto Patrícia Galvão; publicado Instituto Patrícia Galvão; encontrado em https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/dados-e-fontes/pesquisa/violencia-domestica-contra-a-mulher-na-pandemia-instituto-patricia-galvao-locomotiva-2020/

Mulheres em tempos de pandemia: os agravantes de desigualdades, os catalisadores de mudanças, escrito por Tink Olga, publicado no Portal Geles, encontrado em: https://www.geledes.org.br/mulheres-em-tempos-de-pandemia-os-agravantes-de-desigualdades-os-catalisadores-de-mudancasmulheres-em-tempos-de-pandemia/

Pandemia COVID-19 e as mulheres, escrito por Marlise Matos ao Anpoc, publicado em: https://www.geledes.org.br/pandemia-covid-19-e-as-mulheres/

Maternagem e Covid-19: desigualdade de gênero sendo reafirmada na pandemia; escrito por Fernanda Fochi Nogueira Insfran e  Ana Guimarães Correa Ramos Muniz;

publicado em Diversitates International Journal; encontrado em http://emotrab.ufba.br/wp-content/uploads/2020/09/314-769-1-PB.pdf

Conteúdos do blog

As publicações deste blog trazem conteúdos institucionais do Projeto Força Feminina – Unidade da Rede Oblata Brasil, bem como reflexões autorais e também compartilhadas de terceiros sobre o tema prostituição, vulnerabilidade social, direitos humanos, saúde da mulher, gênero e raça, dentre outros assuntos relacionados. E, ainda que o Instituto das Irmãs Oblatas no Brasil não se identifique necessariamente com as opiniões e posicionamentos dos conteúdos de terceiros, valorizamos uma reflexão abrangente a partir de diferentes pontos de vista. A Instituição busca compreender a prostituição a partir de diferentes áreas do conhecimento, trazendo à tona temas como o estigma e a violência contra as mulheres no âmbito prostitucional. Inspiradas pela Espiritualidade Cristã Libertadora, nos sentimos chamadas a habitar lugares e realidades emergentes de prostituição e tráfico de pessoas com fins de exploração sexual, onde se faz necessária a presença Oblata; e isso nos desafia a deslocar-nos em direção às fronteiras geográficas, existenciais e virtuais.   

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