As mulheres nos mostram o Caminho
Estamos nos preparando para o IV Capítulo Provincial a partir da leitura e reflexão dos documentos do XXI Capítulo Geral. Estes documentos nos convidam a ampliar nosso olhar para “habitar um novo horizonte”. Para tanto devemos aprender a ler, escutar, compreender e questionar as realidades sociais, econômicas e culturais nas quais nossa missão atua. Somos interpelados a desafiar o comodismo das respostas prontas, os padrões hegemônicos, “a normalidade” e nos inserir nas periferias e nas fronteiras onde a exclusão e as injustiças se materializam. O Espírito nos impulsiona a responder os desafios à luz do Evangelho. E quem nos aponta o caminho? Com quem queremos construir esse “novo horizonte”? As mulheres em contexto de prostituição são nossas companheiras e mestras na construção do caminho. E desde ontem, em nossa Unidade estamos vivenciamos isto.
Há muito meses, em todas as unidades da Rede Oblata, temos visto como a crise socioeconômica e política que o país (e até o mundo) atravessa agravou as dificuldades financeiras que as mulheres enfrentam. Agora temos a pandemia do coronavírus que transformou cada ser humano em ameaça para outro ser humano nos obrigando ao isolamento e a restrição da convivência. E neste contexto surge a possibilidade de fechamento dos hotéis. Mas, é neste momento de crise – “momento de decisão, de mudança súbita”; como a etimologia da palavra nos ensina – que as mulheres trazem luz ao nosso caminhar.
Logo pela manhã algumas mulheres que participavam do curso de Cuidadora de Idosos, compartilhavam preocupações: hotéis vazios, dificuldades de pagar as diárias e prover necessidades básicas, como por exemplo, alimentação e aluguel. E o pior, a possibilidade de fechamento dos hotéis: para onde ir e como conseguir dinheiro para as necessidades mais elementares? Jade e Priscila, duas lideranças que participam do Coletivo Clã das Lobas, vêm solicitar ajuda. Já haviam se mobilizado e conseguido de um dono de hotel a diária única para diminuir o sofrimento das mulheres. Afinal, pagar a diária é o grande tormento. Mas se os hotéis fechassem para onde as mulheres que não têm casa em BH iriam, ainda mais com pouco ou nenhum dinheiro? Elas mesmas trazem algumas ideias e nos solicitam ajuda para organizar e encaminhar as propostas. Por ser um coletivo que já atua em alguns espaços políticos e da sociedade civil elas têm uma rede de contatos. Unimos-nos a elas e uma grande rede de solidariedade se formou para minimizar a situação. As articulações com diversos setores iniciaram no dia 18 e ainda está em processo de construção. A primeira ação foi cadastrar as mulheres, especialmente as que exercem a prostituição em hotéis mais precários, e verificar quais as demandas mais urgentes. Este levantamento resultou nas seguintes necessidades:
· Compra de passagens para as mulheres que desejam voltar para a casa;
· Abrigamento e alimentação para as que desejam permanecer em BH;
· Divulgar via internet estas ações para outras mulheres.
Para a execução destas tarefas estamos, juntamente com os Coletivos de Mulheres, realizando contatos com alguns parceiros de congregações religiosas e donos de hotéis. Ocorreu uma reunião presencial com Carolina Paixão representando o Projeto Diálogos, Jade e Priscila do Coletivo Clã das Lobas e representantes da Secretaria Municipal de Assistência Social e das subsecretarias de Assistência Social (Central do Migrante e Diretoria LGBT) e do Direito e Cidadania. Apesar da grande limitação o setor público (acesso restrito e funcionamento em escala mínima) alguns encaminhamentos estão em andamento:
· Abrigamento disponibilizados por equipamentos da prefeitura: 60 mulheres cis e trans, casa de acolhida para pessoas com doenças crônicas e problemas de saúde, Casa Primavera e Abrigo São Paulo. O hotel Montanhês se dispôs a abrigar algumas mulheres;
· Compra de passagens: no momento estão cadastradas 17 mulheres que desejam regressar para suas casas. Serão necessários R$ 2.720,77 para a compra destas passagens. Duas vias estão em articulação: recursos doados por congregações religiosas parceiras, especialmente jesuítas que trabalham com migrantes, e a retirada de passagens através da Central do Migrante da PBH. Também estamos divulgando via whatsapp, para todas as mulheres que temos cadastradas em nossa Unidade, a possibilidade de requisitar passagens para quem tem Cadastro Único através do ID Jovem (pessoas até 29 anos) e pessoas acima de 60 anos. Nós do Projeto faremos o cadastro e a triagem e encaminharemos aos respectivos serviços, conforme pactuado em reunião;
· Como Projeto Diálogos pela Liberdade estará fechado até o dia 31 /03 doamos os gêneros alimentícios que tínhamos em estoque. Também estamos verificando com alguns parceiros a possibilidade de doação de cestas básicas.
Neste momento dor e alegria se misturam. Alegria em ver o protagonismo das mulheres na luta por seus direitos e dor por ver a precariedade a que são submetidas na luta pela sobrevivência.
Esse episódio confirma os apontamentos dos documentos capitulares:
· As mulheres nos mostram o caminho;
· É fundamental: estar abertas a novas formas de atuação; articular redes; caminhar junto com as mulheres, confiar em seu protagonismo e despertar nelas a consciência crítica.
E o mais importante: beber em nossas raízes, não perder de vista nosso ponto de partida: se as portas se fecham vamos em conjunto construir ferramentas para abri-las. A nossa missão é profética e como tal não se resume a acompanhar as mulheres em contexto de prostituição.
Temos o compromisso de questionar as estruturas injustas que mercantilização os corpos femininos e destroem a dignidade de seres humanos. Confiamos que a utopia está no horizonte e somos convocadas a dar sempre um passo à frente. Esperamos que a experiência aqui partilhada alimente e fortaleça a nossa esperança (das mulheres e nossa). Experimentamos nestes dias um pouco do Reino de Deus na força da sororidade das mulheres. De fato, a audácia do Espírito nos impulsiona.
Por: Isabel Cristina Brandão Furtado.
Belo Horizonte, 19 de março de 2020
Desafios e Novos Caminhos
Faz-se necessário aprender novas formas de fazer a missão, observando os novos horizontes. Escutar de forma diferente, sentir as necessidades de uma outra maneira… E assim fazer com que os nossos caminhos se encontrem com os caminhos das mulheres. Não temos agora uma roda de conversa com o carinho costumeiro da acolhida e aquele café quentinho que nos aquece corpo, alma e coração de todas as tardes. É verdade. Ainda que temporariamente distantes, o essencial nos aproxima! E seguimos firmes e unidas na sororidade, fazendo assim a “nova” missão.
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